Em 23 de abril de 2014, era publicado o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, que prometeu que, pelo menos no Brasil, a Internet não mais seria terra “sem-lei”. A declaração é repetida até hoje, uma década depois, toda vez que uma Rede Social ou Provedor de Aplicações desafia o Judiciário brasileiro.
O Que é o Marco Civil da Internet?
O Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, é uma legislação brasileira (12.965/14) que tem como objetivo regulamentar o uso da internet no país. Ele estabelece os princípios, direitos e deveres tanto para os usuários quanto para as empresas e o governo.
Como o Marco Civil da Internet foi criado?
O Marco Civil da Internet é uma legislação que visa regular o uso da internet no Brasil, abordando uma variedade de questões relacionadas aos direitos dos usuários, obrigações das empresas e segurança online. Sua criação foi resultado de um processo de consulta pública iniciado em 2006 e finalizado com sua aprovação em 2014.
A sua aprovação foi acelerada à época em razão da controvérsia do Wikileaks, onde se tornaram públicos documentos secretos do governo americano, revelando que outros governos eram alvos de espionagem e coleta de informações por meio de dispositivos informáticos – inclusive o Brasil.
A regulamentação do que pode ou não pode na Internet foi extremamente marcante, com o choque daquilo que foi idealizado na concepção da Internet – um espaço para livre comunicação descentralizada e anônima, focada no usuário e naquilo que ele, indivíduo, tem a dizer – com o controle do Estado sobre o que pode ou não ser dito.
O que prevaleceu foi a delimitação da liberdade de expressão da Constituição, que é acompanhada da responsabilidade sobre aquilo que é dito, com a imposição aos provedores de Internet (de conexão e de aplicação) do dever de se identificar a pessoa que abusa do direito de expressão na Internet.
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Objetivos do Marco Civil da Internet
Com o advento rápido da internet, tornou-se crucial implementar leis específicas para lidar com os desafios e oportunidades trazidos por ela. O Marco Civil da Internet tem como objetivo criar um ambiente online seguro, justo e transparente no Brasil:
1. Proteção dos Direitos dos Usuários
Garantir que os usuários tenham seus direitos protegidos é uma prioridade. Isso inclui a privacidade, a liberdade de expressão e o acesso igualitário à internet.
2. Regulação das Empresas de Telecomunicações
Estabelecer diretrizes claras para as empresas de telecomunicações evita práticas discriminatórias e garante a neutralidade da rede, promovendo um ambiente online justo para todos.
3. Responsabilização Legal
Definir as responsabilidades legais das partes envolvidas, incluindo provedores de internet, plataformas online e usuários, é essencial para lidar com violações e infrações de maneira justa e equilibrada.
4. Promoção da Inovação
Criar um ambiente digital seguro e previsível é fundamental para promover a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias que beneficiem a todos.
Princípios Fundamentais do Marco Civil da Internet
O Marco Civil da Internet se baseia em princípios essenciais que orientam o uso da internet no Brasil:
1. Neutralidade da Rede
Garantir que todas as informações transmitidas pela internet sejam tratadas de forma igual é essencial. Isso significa que as empresas de telecomunicações não podem favorecer ou prejudicar determinados tipos de conteúdo ou serviços. Em outras palavras, seu provedor de internet não pode bloquear ou diminuir a velocidade de acesso a certos sites ou aplicativos.
Isso garante que todos os usuários tenham acesso igual à internet, independentemente de sua velocidade de conexão ou provedor de serviços.
2. Privacidade
A privacidade online é um dos principais focos do Marco Civil. A lei estabelece regras claras para proteger a privacidade dos usuários, incluindo limites para o armazenamento de dados de conexão e a necessidade de consentimento explícito para o uso de dados pessoais.
O Marco Civil estabelece a privacidade dos usuários como um direito fundamental. Isso significa que a coleta, armazenamento e compartilhamento de seus dados pessoais não podem ser feitos sem o seu consentimento explícito.
3. Liberdade de Expressão
A liberdade de expressão é um direito sagrado, mesmo no mundo digital. O Marco Civil protege esse direito online, com a regra de que todos têm o direito de expressar suas opiniões na internet sem medo de censura prévia, mas se verificado violação de direitos de terceiros ou abuso, o conteúdo pode ser retirado “do ar” por ordem judicial encaminhada ao provedor de aplicação (normalmente, uma rede social).
4. Responsabilidade dos Intermediários
Os provedores de internet e plataformas online têm um papel importante, mas limitado, quando se trata do conteúdo gerado pelos usuários. Eles não são responsáveis pelo que os usuários publicam, a menos que desobedeçam ordens judiciais específicas para remover esse conteúdo.
Outros princípios
Para garantir uma abordagem equilibrada e inclusiva, o Marco Civil se baseia em oito princípios fundamentais:
- Proteção dos Dados Pessoais: Os dados pessoais dos usuários devem ser tratados com cuidado e responsabilidade pelas empresas.
- Estabilidade, Segurança e Funcionalidade da Rede: A infraestrutura da internet deve ser robusta e confiável.
- Preservação da Natureza Participativa: A internet deve ser um espaço democrático e participativo.
- Liberdade dos Modelos de Negócios: A diversidade de modelos de negócios online deve ser preservada.
Direitos dos Usuários
O Marco Civil da Internet garante diversos direitos aos usuários, incluindo:
- Privacidade e Sigilo das Comunicações: As comunicações dos usuários devem ser protegidas e mantidas em sigilo.
- Proteção contra Danos Decorrentes de Violações de Dados: Os usuários têm o direito de serem protegidos contra danos resultantes de violações de dados.
- Acesso a Informações Claras sobre Serviços de Internet: As empresas devem fornecer informações transparentes sobre os serviços contratados pelos usuários.
- Acesso a Mecanismos de Defesa do Consumidor: Os usuários têm o direito de recorrer a mecanismos de defesa do consumidor em caso de problemas com serviços de internet.
Deveres das Empresas
As empresas que oferecem serviços de internet também têm obrigações específicas, incluindo:
- Proteção dos Dados dos Usuários: As empresas devem proteger os dados pessoais de seus usuários contra acesso não autorizado.
- Armazenamento de Registros de Conexão e Acesso a Aplicações: Os provedores de internet devem manter registros de conexão por um ano e registros de acesso a aplicações por seis meses.
- Manutenção de Sigilo e Segurança dos Dados Armazenados: As empresas devem garantir o sigilo e a segurança dos dados armazenados de seus usuários.
Impacto para as Empresas em Geral
Mesmo as empresas que não estão diretamente envolvidas no setor de telecomunicações precisam estar cientes das disposições do Marco Civil da Internet. Isso inclui:
- Redação Clara de Contratos e Termos de Uso: As empresas devem redigir contratos e termos de uso de forma clara e transparente.
- Contratação de Serviços Confíaveis de Internet e Armazenamento de Dados: É importante escolher provedores de serviços de internet e armazenamento de dados confiáveis e seguros.
- Estabelecimento de Processos de Segurança e Proteção de Dados: As empresas devem implementar processos robustos de segurança e proteção de dados para garantir a conformidade com o Marco Civil da Internet.
Críticas ao Marco Civil da Internet
Embora tenha sido amplamente elogiado por proteger os direitos dos usuários, o Marco Civil também recebeu críticas. Alguns expressaram preocupações sobre possíveis restrições à liberdade de expressão e os custos adicionais para as empresas, com o dever de manutenção de registros de conexão e acesso à aplicações.
A limitação de responsabilidade das redes sociais em somente retirar conteúdos “do ar” mediante ordem judicial foi duramente criticada, por obrigar a judicialização de demandas potencialmente desnecessárias. Desde antes da publicação da Lei os provedores de Internet já tinham o direito costumeiro (por assim dizer) de remover conteúdos por simples notificação eletrônica no próprio site (“notice and takedown”).
A manutenção da necessidade de ordem judicial foi atribuída à necessidade de não se permitir a censura prévia na Internet, somente posterior, e o legislador confiou tal atribuição ao Poder Judiciário.
Mudanças no Marco Civil da Internet
Desde sua promulgação, o Marco Civil tem passado por mudanças e discussões contínuas. Uma das alterações mais recentes foi em 2017, quando foi incluída uma disposição que permite a remoção de conteúdo relacionado à automutilação ou suicídio. Além disso, discussões sobre possíveis revisões, incluindo o fim da neutralidade da rede, podem impactar a lei no futuro.
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Próximos Passos após o Marco Civil da Internet
Embora o Marco Civil tenha sido um marco importante na regulamentação da internet no Brasil, ainda existem desafios a serem enfrentados. Leis subsequentes, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a “Lei das Fake News”, são exemplos de esforços contínuos para enfrentar os desafios emergentes no cenário digital.
O Marco Civil da Internet teve um impacto significativo na forma como a internet é utilizada e regulamentada no Brasil. No entanto, seu futuro pode ser influenciado por novos desafios e avanços tecnológicos, como a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e discussões sobre a neutralidade da rede.
Em suma, o Marco Civil da Internet continua sendo uma peça fundamental da legislação brasileira, garantindo um ambiente digital mais seguro, transparente e respeitoso aos direitos dos usuários. É importante que os cidadãos estejam cientes de seus direitos e deveres online, contribuindo assim para o desenvolvimento de uma internet mais inclusiva e responsável.